sábado, 18 de outubro de 2025

42 / Joaquim Saial, "Quem era o Sr. Alejandro Ruiz?"

 


Quem era o Sr. Alejandro Ruiz?


Ninguém sabia ao certo.

Chegou numa tarde de domingo,

como se já tivesse estado no hotel,

instalou-se no quarto 407

e por ali foi ficando.


O chapéu de panamá pousado

no encosto da poltrona do átrio

parecia uma assinatura.

Um traço branco e leve,

sempre impecável,

nunca torto, nunca gasto.


Os charutos cubanos eram a sua marca.

Cheiro doce, denso, intenso,

que se demorava nos corredores,

como se fosse uma presença invisível.

Acendia-os devagar,

com dedos de quem conhecia o ofício

e sorria ao primeiro fumo,

na esplanada do bar do hotel.


Sapatos claros, lustrosos,

que não conheciam pressa.

Calças brancas de linho,

paletó e camisa a condizer,

um conjunto que parecia

resistir ao tempo e ao pó da cidade.

Era sempre domingo no seu vestir.


O telefone fixo do hotel,

antigo, negro e pesado,

vibrava com a sua voz grave.

Chamava para longe,

para números que ninguém repetia,

em idioma meio arrastado,

num espanhol ultramarino.


Os empregados sabiam:

a chamada não era curta.

Mas nunca reclamavam,

porque no fim do mês

havia sempre notas generosas

que deixava como quem deixa flores.


Depois vinha ela,

a mulher espampanante.

Cheiros de perfume caro,

saltos altos que ecoavam no mármore.

Deixava documentos,

embrulhos pequenos,

um aceno breve,

curta conversa

e desaparecia,

como quem veio só para confirmar

que a história continua.


Ele permanecia.

Sempre à mesma mesa do átrio,

com o jornal aberto,

mas raramente lido.

Cumprimentava todos:

“Buenos dias, señor Don…”,

“Buenas tardes, Dueña…”.

Um cavalheiro que se lembrava dos nomes,

que por isso ninguém esquecia.


Era um hóspede,

mas vivia como residente.

O hotel era a sua casa

e todos o tratavam como família.

Nunca se soube se pagava mais ou menos,

apenas que pagava sempre,

sem impugnar contas,

com notas limpas,

saídas de uma carteira de couro

recheada, profunda.


As histórias multiplicavam-se.

Uns diziam que fora diplomata.

Outros, que negociava café.

Havia quem jurasse

que tinha estado em Havana,

em Buenos Aires,

em Bogotá,

em Madrid

e que conhecia pessoas

com nomes demasiado sonantes

para se repetirem em voz alta.


Nunca perdia a compostura.

Falava baixo,

com pausas medidas,

como se cada palavra

fosse uma peça num tabuleiro secreto.

E sorria 

— ah, sorria, como quem sabe

que o mundo é um jogo

e que ele o jogava,

bem jogado.


No Natal, deixou presentes

para todos os empregados.

Uma caixa de chocolates suíços,

um relógio de pulso,

um lenço de seda.

E gorjetas dobradas,

sem nunca mostrar esforço.

Quem faz isso sem pedir nada?


À noite, o bar fechava tarde,

mas ele permanecia.

Um copo de rum,

o charuto apagado

e a sua silhueta clara

a flutuar na penumbra.

Havia quem dissesse

que falava sozinho,

mas outros garantiam

que ouvia apenas

os fantasmas do passado.


Ninguém o viu zangado.

Ninguém o viu apressado.

Parecia ter todo o tempo,

como se o relógio fosse um adereço

feito apenas para os outros.


Quando o vento soprava forte,

o chapéu de panamá ficava intacto.

Quando chovia,

ele entrava com o mesmo sorriso,

como se a água fosse apenas

um detalhe da paisagem.


Os rapazes novos do hotel

perguntavam curiosos:

“Quem é, afinal, o senhor Ruiz?”

E os mais velhos encolhiam os ombros:

“Um cavalheiro. Isso basta!”


Um dia, ficou mais tempo ao telefone.

O olhar sério,

o havano esquecido no cinzeiro.

A mulher não veio.

E nesse dia,

os corredores pareceram mais silenciosos.


Mas na manhã seguinte,

lá estava ele,

de paletó branco, como sempre,

chapéu leve,

sapatos a brilhar.

Cumprimentou todos

com a mesma voz firme

e deixou o dobro das gorjetas.


Quem era, afinal, o sr. Alejandro Ruiz?

Um homem de gestos largos,

de palavras medidas,

de mistério suave,

como um fumo que não sufoca,

mas envolve.


Talvez um diplomata,

um contrabandista,

um poeta disfarçado,

ou simplesmente alguém

que quis viver

onde fosse lembrado com simpatia.


No fim, quando desapareceu,

o que ficou foi um vago rumor,

o perfume de tabaco doce,

o brilho das moedas deixadas no balcão,

o som grave da sua voz no telefone

e o enigma, sempre intacto,

como o seu chapéu de panamá

imune ao vento.