domingo, 14 de dezembro de 2025

43 / Luís Palma Gomes, "A casa temporal"




A casa temporal


Sou, por agora, mistério em bruto,

sortilégio ainda incandescente.


São assim as manhãs de inverno,

quando o sol aparece sem avisar, 

para almoçar.


Se apenas existisse esta manhã,

seria suficiente:

o passado reconstituído

em filigrana,

o futuro coisa mínima,

carpa a nadar, previsível,

num lago semi coberto de folhas.


É isso o que faço:

exercito até ao meio-dia

a contenção do tempo.


Alguém, porém, bate

na porta grossa de carvalho

que construí para esta casa temporal.

Bate e insiste

com mãozinhas delicadas, 

afiadas e subtis;

insiste, insiste.


“Deve ser uma criança”, penso.


Quando abro a porta, ninguém.

Só uma sombra desce as escadas, apressada,

e deixa no tapete

uma carta fechada.

Prefiro não a ler, por enquanto.