Quem era o Sr. Alejandro Ruiz?
Ninguém sabia ao certo.
Chegou numa tarde de domingo,
como se já tivesse estado no hotel,
instalou-se no quarto 407
e por ali foi ficando.
O chapéu de panamá pousado
no encosto da poltrona do átrio
parecia uma assinatura.
Um traço branco e leve,
sempre impecável,
nunca torto, nunca gasto.
Os charutos cubanos eram a sua marca.
Cheiro doce, denso, intenso,
que se demorava nos corredores,
como se fosse uma presença invisível.
Acendia-os devagar,
com dedos de quem conhecia o ofício
e sorria ao primeiro fumo,
na esplanada do bar do hotel.
Sapatos claros, lustrosos,
que não conheciam pressa.
Calças brancas de linho,
paletó e camisa a condizer,
um conjunto que parecia
resistir ao tempo e ao pó da cidade.
Era sempre domingo no seu vestir.
O telefone fixo do hotel,
antigo, negro e pesado,
vibrava com a sua voz grave.
Chamava para longe,
para números que ninguém repetia,
em idioma meio arrastado,
num espanhol ultramarino.
Os empregados sabiam:
a chamada não era curta.
Mas nunca reclamavam,
porque no fim do mês
havia sempre notas generosas
que deixava como quem deixa flores.
Depois vinha ela,
a mulher espampanante.
Cheiros de perfume caro,
saltos altos que ecoavam no mármore.
Deixava documentos,
embrulhos pequenos,
um aceno breve,
curta conversa
e desaparecia,
como quem veio só para confirmar
que a história continua.
Ele permanecia.
Sempre à mesma mesa do átrio,
com o jornal aberto,
mas raramente lido.
Cumprimentava todos:
“Buenos dias, señor Don…”,
“Buenas tardes, Dueña…”.
Um cavalheiro que se lembrava dos nomes,
que por isso ninguém esquecia.
Era um hóspede,
mas vivia como residente.
O hotel era a sua casa
e todos o tratavam como família.
Nunca se soube se pagava mais ou menos,
apenas que pagava sempre,
sem impugnar contas,
com notas limpas,
saídas de uma carteira de couro
recheada, profunda.
As histórias multiplicavam-se.
Uns diziam que fora diplomata.
Outros, que negociava café.
Havia quem jurasse
que tinha estado em Havana,
em Buenos Aires,
em Bogotá,
em Madrid
e que conhecia pessoas
com nomes demasiado sonantes
para se repetirem em voz alta.
Nunca perdia a compostura.
Falava baixo,
com pausas medidas,
como se cada palavra
fosse uma peça num tabuleiro secreto.
E sorria
— ah, sorria, como quem sabe
que o mundo é um jogo
e que ele o jogava,
bem jogado.
No Natal, deixou presentes
para todos os empregados.
Uma caixa de chocolates suíços,
um relógio de pulso,
um lenço de seda.
E gorjetas dobradas,
sem nunca mostrar esforço.
Quem faz isso sem pedir nada?
À noite, o bar fechava tarde,
mas ele permanecia.
Um copo de rum,
o charuto apagado
e a sua silhueta clara
a flutuar na penumbra.
Havia quem dissesse
que falava sozinho,
mas outros garantiam
que ouvia apenas
os fantasmas do passado.
Ninguém o viu zangado.
Ninguém o viu apressado.
Parecia ter todo o tempo,
como se o relógio fosse um adereço
feito apenas para os outros.
Quando o vento soprava forte,
o chapéu de panamá ficava intacto.
Quando chovia,
ele entrava com o mesmo sorriso,
como se a água fosse apenas
um detalhe da paisagem.
Os rapazes novos do hotel
perguntavam curiosos:
“Quem é, afinal, o senhor Ruiz?”
E os mais velhos encolhiam os ombros:
“Um cavalheiro. Isso basta!”
Um dia, ficou mais tempo ao telefone.
O olhar sério,
o havano esquecido no cinzeiro.
A mulher não veio.
E nesse dia,
os corredores pareceram mais silenciosos.
Mas na manhã seguinte,
lá estava ele,
de paletó branco, como sempre,
chapéu leve,
sapatos a brilhar.
Cumprimentou todos
com a mesma voz firme
e deixou o dobro das gorjetas.
Quem era, afinal, o sr. Alejandro Ruiz?
Um homem de gestos largos,
de palavras medidas,
de mistério suave,
como um fumo que não sufoca,
mas envolve.
Talvez um diplomata,
um contrabandista,
um poeta disfarçado,
ou simplesmente alguém
que quis viver
onde fosse lembrado com simpatia.
No fim, quando desapareceu,
o que ficou foi um vago rumor,
o perfume de tabaco doce,
o brilho das moedas deixadas no balcão,
o som grave da sua voz no telefone
e o enigma, sempre intacto,
como o seu chapéu de panamá
imune ao vento.







































