quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

4 / Carlota de Barros (Cabo Verde), "Silêncio, Pessoa quer dormir"

 

Silêncio!

                    Pessoa quer dormir


Encontrei na página de um

Livro de Poesias de Pessoa

A folha cor de vinho de recortes finíssimos

Que caíra a meus pés submissa e linda

Naquela tarde feliz de Outono


Doce folha que de novo me revelaste

O poema de Pessoa que me

Entrará na alma tão subtilmente!


[...]


“Cessa o teu canto!

Cessa, que enquanto

O ouvi ouvia

Uma outra voz

Como que vindo

Nos interstícios

Do brando encanto

Com que o teu canto

Vinha até nós”


[...]


Que canto seria este, Pessoa

Melodia que não havia

E se a lembras te faz chorar?


Essa voz, Pessoa

Encantamento

Silêncio que há a seguir

Ao canto

Alheio a ti

E a quem canta?


Ah o encantamento

Do canto que vem

A seguir a outro canto

Quem o cantou?

Quem te fez ouvir

Para além

Do que é o sentido

Que voz tem?


Vozes com sentidos opostos!

Ah! Minha folha cor de vinho

Talvez essa voz te tenha seguido

Até o Livro de Poesias

Nesta terra por onde

A alma de Pessoa divaga

Sem saberes que o fazias


Será que também provocaste em mim

Esse encantamento do canto

Que vem a seguir a outro?

Estou a ouvir esse canto

Para além do sentido

Que a voz tem!  


Mas quem a teria cantado?

Quem teria provocado em Pessoa

Esse encantamento

Que a mim também me encanta?


Porém Pessoa queria

O silêncio para dormir

E eu desejo tanto o silêncio

Para descansar!


Cessa teu canto!

Cessa!

Vem minha folha

Marca este poema de Pessoa

Que hoje reencontrei!


Um dia quero ouvir de novo


Esse canto que vem a seguir

A outro canto e encanta

Agora, silêncio!

Pessoa quer dormir

E eu desejo tanto descansar...


sábado, 28 de dezembro de 2024

2 / Luís Palma Gomes, "As águas de Outubro"

 

As águas de Outubro


Choveu no cais do inverno. 

As folhas estão plácidas, porque infecundas.

Tudo treme, menos o vento,

que traz com ele uma vontade 

do outro lado do mundo.

Os pássaros treinam a fome.

Enquanto as pessoas vulgares olham a chuva

e dizem que ela faz falta.

Hábitos antigos.




1 / Joaquim Saial, "Adalberto e a máquina de escrever"


Adalberto e a máquina de escrever


Agora, Adalberto escreve no computador. MAS ANTES, EM JEITO DE DESPEDIDA, ESCREVEU À MÁQUINA… PARA LHE DIZER QUE ESTAVA FARTO DELA E DAQUELA TECLA DAS MAIÚSCULAS, SEMPRE ENCRAVADA.