Luís, o que queria trabalhar...
Luís era um pobre diabo que não tinha onde cair morto, como soe dizer-se.
A fome agora apertava e nem sequer um biscate, um mandado, nada lhe aparecia que lhe pudesse trazer uns pequenos trocos para uma bucha. Embora se envergonhasse já começava a pedir, depois que a polícia correu com ele do parque de estacionamento, mas até as pessoas com cara de caridosas lhe negavam a esmola.
Luís estava mesmo a passar mal. Deambulava por aquela rua abaixo, que vai dar ao antigo parque industrial, sem rumo definido, andando por andar. Passou ao portão de um velho pavilhão onde ouviu gente e máquinas a trabalhar. Veio-lhe à cabeça a resposta que alguém lhe dera ontem, quando pedia esmola: “Vai trabalhar, malandro…”. Será que aquele sujeito tinha razão?
Luís parou, passou as mãos pelos cabelos desgrenhados, na tentativa de melhorar a má imagem, sacudiu também a poeiras das calças e decidiu-se a bater ao portão. Eis que naquele instante este se entreabriu e surgiu um homem de meia-idade, bem vestido e de telemóvel ao ouvido, que esbracejava, visivelmente irritado e passou por ele sem o ver. Deu três ou quatro passos na calçada e voltou para junto do portão. “Tive de sair, que lá dentro com o barulho das máquinas não te consigo ouvir. Isto está mesmo impossível, não sei o que hei-de fazer. O pessoal está a faltar de uma maneira assustadora. Uma está de férias de parto, dois dos que mais falta me fazem estão doentes, já há uns dias. Outro telefonou-me ontem à noite a dizer que hoje não poderia vir porque lhe morreu o sogro. Até o rapaz dos recados hoje faltou. Não tenho ninguém para fazer a entrega das encomendas. Isto está um caos completo. E logo numa altura destas em que não posso fechar, que era a vontade que eu tinha…” E continuava a conversa gesticulando, dando pontapés em pedras da calçada, que não tinham culpa nenhuma, à beira de um ataque de nervos.
Luís apercebeu-se que aquele era o patrão. Tinha de lhe pedir emprego, mas era óbvio que aquele não era o momento apropriado.
Entretanto o homem, quando se voltou para entrar, reparou naquele rapaz andrajoso ali encostado ao portão. “Quem é você e o que quer daqui?”
Luís, um pouco envergonhado respondeu: “Sou o Luís e vinha pedir emprego pois preciso muito de trabalhar, em qualquer trabalho que seja, pois estou a passar fome. Agradecia-lhe muito.”
Diz o patrão: “Não é que eu não esteja a necessitar de colaboradores, mas agora não tenho tempo para o atender.”
“Não faz mal, eu posso ficar aqui à espera”, respondeu o Luís enquanto se sentava no chão, encostado ao portão de ferro, que estremeceu quando o patrão o fechou.
Já no gabinete, sentado à secretária, passava a mão pelo pouco cabelo num gesto de preocupação. Como é que vou entregar estas encomendas que têm que chegar aos clientes impreterivelmente hoje? Nem sequer posso sair daqui, com a falta do encarregado.
Entretanto, pela janela entreaberta ouvia-se da rua uma multidão que gritava: “Deixem trabalhar o Luís”. Iluminou-se. Correu ao portão a chamá-lo e disse-lhe: “Você vai entregar isto.”