domingo, 12 de janeiro de 2025

7 / Nicolau Saião, "Lima de Freitas"


Lima de Freitas


Há um verde   um amarelo   um branco

que crescem sobre o Mundo.   É a matéria

de aldeias e mares   o azulejo

de castelos e casebres   o perfil do Homem.


Diz-me como pintas   dir-te-ei  quem és


Há um azul    um negro   um violeta

para que seja íntima a nossa recordação

um braço de mulher   um camponês  olhando

o rosto obscuro e simples duma criança.


Diz-me como pintas    dir-te-ei  quem foste


Há um rôxo  e  um vermelho   há um cinzento

para que as coisas vulgares se transfigurem

para que numa sala a norte de todo o silêncio

a dupla substância perenemente brilhe.


Diz-me  como pintas    dir-te-ei  quem eras


Dir-te-ei das cores a natureza clara

dir-te-ei do tempo o número e o horizonte

e das raças extintas a floresta e o nome

e dos objectos a sua real dimensão


Porque sabes que o fogo é semelhante ao vento

e tudo em nós encontra a sua forma nova

- um pássaro  e um jardim   uma mesa   uma rua 

os vestígios duns passos num caminho secreto.


Diz-me como pintas   dir-te-ei  talvez

que nada se perdeu   nada se perderá

daquilo que dissemos daquilo que fizemos

com os traços e as cores da nossa mão queimada.


Diz-me  como pintas   dir-te-ei

o que as cores calam e cantam.


Lima de Freitas, serigrafia, 1964


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