Lima de Freitas
Há um verde um amarelo um branco
que crescem sobre o Mundo. É a matéria
de aldeias e mares o azulejo
de castelos e casebres o perfil do Homem.
Diz-me como pintas dir-te-ei quem és
Há um azul um negro um violeta
para que seja íntima a nossa recordação
um braço de mulher um camponês olhando
o rosto obscuro e simples duma criança.
Diz-me como pintas dir-te-ei quem foste
Há um rôxo e um vermelho há um cinzento
para que as coisas vulgares se transfigurem
para que numa sala a norte de todo o silêncio
a dupla substância perenemente brilhe.
Diz-me como pintas dir-te-ei quem eras
Dir-te-ei das cores a natureza clara
dir-te-ei do tempo o número e o horizonte
e das raças extintas a floresta e o nome
e dos objectos a sua real dimensão
Porque sabes que o fogo é semelhante ao vento
e tudo em nós encontra a sua forma nova
- um pássaro e um jardim uma mesa uma rua
os vestígios duns passos num caminho secreto.
Diz-me como pintas dir-te-ei talvez
que nada se perdeu nada se perderá
daquilo que dissemos daquilo que fizemos
com os traços e as cores da nossa mão queimada.
Diz-me como pintas dir-te-ei
o que as cores calam e cantam.
![]() |
Lima de Freitas, serigrafia, 1964 |
Fala como dizes, em silêncio te escutarei
ResponderEliminar