terça-feira, 21 de janeiro de 2025

9 / Nicolau Saião, "Poema"


Poema


Não eram vulgares   as mãos de meu  Pai.

Um dos dedos tinha mesmo uma unha rachada

E quando pela noite o vento me fazia 

tremer

algo me entrava pelos olhos   e era

uma espécie de mapa

e eu lembrava-me   esforçando-me   contraindo

a cara

se era de facto uma luz o que se via

rés-vés ao telhado   muito perto

do grande portão de pedra em ruínas.


Naqueles tempos morávamos no campo

Muitos anos mais tarde visitei a casa

com dois filhos e vários garotos vizinhos

numa tarde ao fim dum passeio pelas matas

dos arredores. Ao canto da cozinha

estava um banco velho   e a madeira

ganhara uma cor acinzentada   devido

ao tempo. Disse-me depois

- enquanto comíamos pão com azeitonas -  

o dono dessa quinta alucinante

no páteo da outra moradia da herdade

que durante trinta e cinco anos

não morara ali ninguém. Éramos pois

nós os fantasmas daquele lugar.


Era no Inverno e as palavras   repousavam

e de vez em quando ouvia-se um ruído

como de turbilhão

- certo dia um pássaro morreu junto à 

porta da entrada, onde havia

uma planta como de antigas eras -


e algum tempo depois tive de partir  e olhar

o universo de tudo   de isto e daquilo


O oceano e as vozes recriavam-se algures.

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