sábado, 26 de abril de 2025

27 / Joaquim Saial, "Humilhação"


Humilhação


Aquele leão era o mais destrambelhado e mau caçador do bando. Quando ao tentar atacar um elefante foi agarrado pela tromba deste e projectado contra o grande imbondeiro, o que mais o vexou não foi esse facto, mas sim ouvir toda uma alcateia de oito hienas a rir-se às gargalhadas da sua desgraça.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

26 / Luís Palma Gomes, a partir de um verso de "Tabacaria", de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa

 

Há tantos que não pode haver tantos

porque se houvesse tantos, nem um havia.


E mesmo que houvesse um,

como seria ele singular e autêntico

se os outros eram tantos?


Não, não pode haver tantos

sem que rompesse de imediato

um escândalo e uma catástrofe,

por haver apenas um entre tantos.


e no final esse tal seria afinal nenhum,

para que continuasse a haver tantos,

apesar de não haver sequer um.


25 / Carlota de Barros (Cabo Verde), "Noite de lua cheia"


Noite de lua cheia                 


Tenho gravado nos meus olhos

O luar que me extasiou

Numa noite 

Em que a lua cheia 

Me seguiu

Calma e segura 

Pelos caminhos por onde ia.


Ó noite de lua cheia 

Tão calma ... tão bela...

Que ficaste gravada 

Nos meus olhos

Até adormecer.


E como é belo o luar 

Que tão naturalmente        

Nos fica nas mãos e na alma!


Ó doce lua cheia 

Tão calma tão bela

Que ficaste nos meus olhos 

Para sempre.

Que mistérios escondes 

Noite de lua cheia?

Ó noite de luar  

Noite de doçura  

Noite de mistério e luz


Como desejo ficar acordada 

Para contemplar

Docemente o luar 

Até brilhar a aurora!


E como é belo o luar

Nas minhas mãos 

Naturalmente calmo 

Naturalmente misterioso!


Ó lua cheia que enquanto 

Eu adormecia feliz

Me uniste ao luar e à noite 

Entre os mistérios da noite

E a doçura que o luar esconde! 


24 / Ainda de 2024, mais um livro do prolífico autor brasileiro Juergen Heinrich Maar: "150 Sonetos à Moda Antiga", ed. Officio, Florianópolis, Brasil, 2024

A grande arte do soneto tem em Juergen Heinrich Maar um interessado e rigoroso cultor, em que o "à Moda Antiga" do título nada tem de arcaico  (melhor dizendo, obsoleto). Pelo contrário, Maar, admirador confesso de fernando Pessoa e de Florbela Espanca, confere aos poemas uma certa intemporalidade que  tanto os remete para as grandes obras dos autores clássicos, como lhes dá a modernidade que se exige aos autores hodiernos. Desta obra, servida por cuidadoso trabalho editorial, aqui fica a nota e um dos sonetos (e outro, na contracapa).


Paisagem


A curva do caminho inda é o segredo
Apesar de brilhar ao longe o raio
Que incendeia a paisagem, com o medo
Esvaindo-se lentamente num desmaio.

Levam-no nuvens cinzentas bem cedo
Destilando solene a luz de maio
A curva do caminho num enredo
Abrindo de fantástico ensaio.

Todo um novo horizonte liberta
Os d«segredos da curva no caminho,
Que assim as notas cálidas desperta.

Suas sombras banhado de carinho
A que nada resiste nem perdura
E que envolve o segredo e o transfigura.