quarta-feira, 24 de setembro de 2025

41 / Luís Palma Gomes, "Ervas secas, quase mortas"


Ervas secas, quase mortas


Vós, que tivestes

todo o verão para florir,

e creio que cumpristes.


Os pássaros e os ratos

amavam-vos

por razões diversas,

mas não menos sinceras

e frutuosas.


Amavam-vos

como quem ama

a mãe,

o pai,

a própria pele.


Agora,

vossas folhas

acastanham lentamente.


Talvez a terra vos chame

em segredo

e para sempre.

Ou talvez não.


Talvez apenas adormeçais

no lume brando do chão,

no melhor dos refúgios

para quem perdeu, por agora,

alguma força.

sábado, 20 de setembro de 2025

40 / Jorge Amado (Itabuna, Brasil, 1912 – Salvador, Brasil, 2001) escrevendo à máquina

39 / Solange Firmino (Brasil), "Enseada de Junho"


Enseada de Junho


Não sei se amo mais o marujo, o vento

ou a maré que traz a desordem da espuma.

O cais inabitado é uma metáfora a decifrar

o silêncio do inverno.


Os barcos velhos ancorados, as velas rotas recolhidas

fazem pensar que só buscavam um porto de abrigo.

Até as aves marinhas alteram seus rumos.

Adio para amanhã mais uma tormenta.


Ao entardecer, percorro a orla da praia.

Espero a lua se acender no mar.

Só os uivos comovidos dos cães

me fazem companhia agora.


Foto Joaquim Saial

terça-feira, 2 de setembro de 2025

37 / Na morte (hoje) do actor índio Graham Greene, por Nicolau Saião


Hoje, logo que abri o aparelhómetro, dei com uma triste notícia: morreu Graham Greene, o actor índio da tribo Oneida que todos nós pudemos apreciar nos filme em que esplendeu a sua grande qualidade de intérprete: “Danças com Lobos” ou, no campo dos melhores policiais cinematográficos, o inesquecível “Coração de Trovão”, a partir de um must de Tony Hillerman, posto na tela pelo consistente Michel Apted no qual para além de Green também actuaram os excelentes Val Kilmer, Sam Shepard e Sheila Tusey, enquadrados por uma equipa bem escolhida.

Graham Greene, que pelo seu povo fora elevado à condição de chefe honorário devido à sua qualidade de grande actor de teatro e cinema mas também pela sua postura de integérrimo representante da sua tribo (Oneida, uma das pertencentes às denominadas Seis Nações) teve antes de enveredar pela arte cénica diversas profissões: carpinteiro, operário do aço e soldador até chegar, pelo estudo depois, a engenheiro civil.

Tive ocasião, durante a minha estadia no Canadá, em Toronto - cidade onde ele vivia - e noutros locais do Ontário, de conversar com diversos oneidas, os quais unanimemente me referiram, a dado passo, o gosto que tinham em ser confrades tribais de Greene, apreciado e respeitado como membro destacado da nação Oneida.

(Os Oneida são um povo indígena do grupo linguístico iroquês, com as suas terras ancestrais em Nova Iorque. Eles são um dos cinco povos originais da Confederação Iroquesa (ou Haudenosaunee), conhecidos como o "Povo da Pedra em Pé". Os Oneida tiveram um papel crucial como aliados dos Estados Unidos durante a Revolução Americana e muitos se dispersaram ao longo do tempo, estabelecendo-se em Wisconsin e Ontário, Canadá, após a perda da sua terra. 

Resta-me referir que o chefe Cavalo Corvo, nome índio tradicional do saudoso actor agora falecido - por causas naturais conforme é referido nas notícias necrológicas, pois não partiu por doença ou acidente - fora nomeado, entre diversos outros galardões durante a sua carreira, para o Oscar de melhor actor coadjuvante pelo seu papel de Chefe Kicking Bird do "Danças com lobos" em que dava réplica ao também excelente Kevin Costner, realizador dessa memorável película posta em cena a partir de um notável romance do norte-americano Michael Blake.

Consternado pela sua partida, curvo-me perante a sua memória.

36 / De Luís Palma Gomes, "Os anjos"


Os anjos


Nada é mais terrível do que um anjo

quando desce branco e silencioso

para mudar de lugar os lírios

que dispuseste com tanto cuidado na jarra da sala.


O belo é um adjectivo revelador

que lhes cai dos olhos para as asas,

escorrendo depois até à ponta dos dedos.


É através desse lugar táctil

que os anjos sentem e nos mudam o destino,

trocando flores como quem escreve

numa linguagem de profecias.